REVISTA DE HISTÓRIA.COM.BR
Publicação: Biblioteca
Nacional.
Filhas da
Constituição
Durante o Império, ficou claro que, para alcançar o
progresso, era preciso instruir também as mulheres
Mônica Yumi Jinzenji
1/8/2011
·
“Viva a nossa Santa Religião! Viva a
Constituição! Viva a Sua Majestade D. Pedro II! Viva a Assembleia Geral
Legislativa! e Viva o povo brasileiro!” Saudações como essas eram feitas por
mulheres numa situação curiosa: durante os discursos de abertura dos exames
públicos das escolas de primeiras letras. Dessa maneira, elas procuravam
mostrar que a escolarização das meninas também era fruto dos esforços dos
grupos políticos liberais, que se fortaleceram no período pós-independência
defendendo a monarquia constitucional.
Os brados também significam uma
conquista: finalmente as mulheres tinham um espaço nas escolas públicas do
Império, como mestras e como alunas. Este avanço estava associado a uma
política de Estado. Com o grito de Independência, o Império brasileiro se viu
às voltas com um desafio: tirar a maioria da população da “ignorância” na qual
estava mergulhada, colocando o país no mesmo nível das nações ditas
civilizadas. A instrução da população foi vista como o meio para fazer do
Brasil uma nação moderna, e a escolarização das meninas não poderia ser
negligenciada. A legislação promulgada no dia 15 de outubro de 1827 determinava
que as moças teriam estabelecimentos de ensino exclusivamente para elas,
criados somente em cidades e vilas mais populosas, e providos por professoras.
As alunas teriam um curso que se
concentraria em tópicos elementares: leitura, escrita, as quatro operações
aritméticas, gramática, princípios de moral cristã e prendas domésticas, como
bordados e demais trabalhos com agulha, estes últimos exclusivos na formação de
meninas. Para os meninos se previa um conteúdo mais extenso, envolvendo o
estudo dos decimais e proporções e as noções de geometria prática. Além de
estabelecer o conteúdo a ser ensinado e os ordenados dos professores, a nova
escola pública adotaria o método mútuo, desenvolvido na Inglaterra, que tinha
como principal característica o ensino para centenas de alunos ao mesmo tempo.
Os alunos eram agrupados por nível de conhecimento, e os monitores – alunos
mais adiantados de cada grupo – ficavam responsáveis por repassar as lições
para cada grupo.
Mas os primeiros estabelecimentos
desse tipo voltados para as meninas só surgiram em 1828, na província de Minas
Gerais, na capital, Ouro Preto, e nas vilas e cidades com maior concentração
populacional no período: Mariana, Sabará, Tamanduá, Serro, Barbacena, São João
del-Rei, Baependi,
Campanha e Pitangui. Antes disso, as famílias mais abastadas da região
contratavam professoras ou tutoras para suas filhas ou as matriculavam em escolas
particulares, nas quais as professoras ensinavam os conteúdos elementares, e
comumente ministravam aulas de francês, dança, piano e culinária.
A disparidade no número de escolas
para meninos e para meninas era perceptível desde a criação das escolas públicas.
Das 54 novas escolas criadas em Minas em 1828, apenas dez (18%) eram destinadas
ao contingente feminino. Essa tendência continuou ao longo de todo o século
XIX. Nas primeiras décadas, cerca de 8% do público escolar era composto de
meninas, ao passo que no final do período imperial (1889) esse número subiu
para 35%. Ainda assim, havia resistência das famílias. Para muitas delas, a
saída das filhas de casa representava riscos de corrupção moral; para outras,
as jovens eram indispensáveis nos serviços domésticos e em outras atividades
que auxiliassem na manutenção familiar.
A criação de multas para as famílias
cujos filhos em idade escolar não frequentassem estabelecimentos de ensino –
definida em Minas Gerais pela Lei nº 13 de 1835 – é uma prova de que a escola
enfrentou sérios percalços para ter sua importância reconhecida na sociedade.
Se o número de meninos matriculados era irrisório e insatisfatório, a situação
das meninas era ainda pior. O presidente da província de Minas Gerais, Bernardo
Jacintho da Veiga (1804-1845), chegou a dizer, em 1840, que a educação das
moças estava circunscrita aos “limites de uma educação doméstica, quase sempre
acanhada, e bem ou mal dirigida segundo o caráter, hábitos e modo de pensar de
cada um Pai de família”.
A legislação educacional procurava
ordenar a atividade de professores e professoras desde o seu ingresso na
carreira até as práticas profissionais cotidianas. Aquelas que queriam se
tornar mestras tinham que se submeter a um exame que era avaliado por uma comissão
formada por autoridades políticas locais. Além disso, mestres e mestras tinham
que enviar ao presidente de província, trimestralmente, o livro de matrículas
contendo o número de alunas, sua frequência e o nível de adiantamento em que
elas se encontravam.
Esse controle era essencial num
período em que os professores recebiam um salário proporcional ao número de
alunos para os quais lecionavam. Além de relatar quantos estudantes
frequentavam suas aulas, os professores tinham que realizar exames públicos
semestrais, nos quais cada aluno era arguido sobre os conteúdos estudados
diante de uma plateia composta de autoridades políticas e de populares.
Anunciadas com antecedência, essas provas contavam com a presença do juiz de
paz, e a imprensa local era responsável pela divulgação das datas e dos
resultados dos exames.
O jornal O Mentor das Brasileiras (1829-1832), de São João del-Rei (MG), costumava
noticiar assuntos relacionados às escolas de meninas e informar os dias das
provas. Esses anúncios eram acompanhados de apelos para que os pais garantissem
a presença das filhas, já que as ausências eram frequentes e consideráveis,
chegando a cerca de 50%. Na vila de São João del-Rei, em 1829, das 43 alunas
matriculadas, 34 compareceram ao exame; em 1832, das 71 matriculadas, somente
30 compareceram ao exame. De acordo com as professoras, o excesso de chuvas era
um dos motivos que mais impossibilitavam o deslocamento das alunas até o local
dos exames. Mas muitas das mais humildes também se ausentavam pelo
constrangimento de não poderem se vestir com o mesmo luxo das mais abastadas.
Havia também os casos de descompasso entre o aprendizado esperado e o efetivo
de algumas estudantes, o que era facilmente notado diante de uma plateia.
Além desses argumentos, as
professoras justificavam a baixa frequência aos exames e o baixo rendimento de
algumas alunas alegando uma timidez proveniente do “despotismo” do qual foram
vítimas. Era comum as docentes – nas páginas do referido jornal mineiro –
atribuírem esse atraso ao antigo regime. Por outro lado, elas reverenciavam a
Constituição de 1824 e a política liberal, que seriam responsáveis pelo
investimento na instrução da população e, principalmente, das mulheres.
As provas eram momentos de grande
satisfação, em especial para as alunas mais adiantadas, que atuavam como
monitoras na rotina das escolas, recebiam orientações das mestras e coordenavam
as atividades de um grupo de colegas previamente designado. Durante os exames
públicos, elas usavam uma fita verde no ombro, onde se liam, em letras
douradas, a sua função e a classe sob sua responsabilidade. Geralmente, elas
dominavam todos os conteúdos, havendo casos de monitoras que, aos dez anos de
idade, chegavam a substituir as professoras.
Seus nomes apareciam frequentemente com destaque em O Mentordas
Brasileiras por causa do bom desempenho nos
exames. Como o de D. Anna Cândida de Jesuz Alves S. Thiago e outras quatro
alunas, moradoras da vila de São João del-Rei. Tendo sido aprovada nas
doutrinas marcadas nos artigos 6 e 12 da Lei de 15 de Outubro de 1827, concluiu
a instrução elementar em 23 de junho de 1830, com 13 anos. Mas a idade com que
as alunas finalizavam as primeiras letras variava muito, assim como a faixa
etária de seu ingresso na escola. A convivência entre crianças de idades
diferentes era a característica dessas instituições de ensino, que as agrupavam
por nível de adiantamento.
Para as alunas que se destacavam, a
docência era uma das possíveis carreiras a seguir. São muitos os casos de
meninas que deram continuidade ao bom desempenho escolar trabalhando como
professoras em novas escolas de primeiras letras, depois de serem aprovadas em
exame público e de apresentarem um atestado de boa conduta. É o caso de Maria
Ricardina de Oliveira Novaes, que aos 16 anos, dois anos depois de concluir o
curso de primeiras letras, foi aprovada, em 15 de março de 1832, para reger a
escola de meninas da cidade de Campanha (MG).
Resultados como esse eram motivo de
júbilo para as professoras que atuavam nos mais diversos corpos docentes
durante o Segundo Reinado. A escola pública de primeiras letras seria, então, o
espaço no qual, desde cedo, as meninas, utilizando a carta constitucional como
primeiro material de leitura, seriam formadas dentro dos ideais liberais. E
ainda podiam perpetuá-los em suas famílias e, eventualmente, como mestras.
Mônica Yumi Jinzenjié professora da Faculdade de Educação da UFMG e
autora do livro Cultura
impressa e educação da mulher no século XIX (UFMG, 2010).
Saiba Mais - Bibliografia
FARIA FILHO, Luciano M. de. (org.) A infância e sua educação;
Materiais, práticas e representações (Portugal e Brasil). Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
LOPES, Eliane M. T.; FARIA FILHO, Luciano M. de;
VEIGA, Cynthia G. (orgs.) 500
anos de educação no Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2000.
MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
MUNIZ, Diva do C.G. Um toque de gênero: história
e educação em Minas Gerais (1835-1892).
Brasília: Editora Universidade de Brasília; Finatec, 2003.
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